Venderam-se os anéis
Segue-se a versão alargada do artigo publicado na revista Exame em Outubro de 2005
Por André Ribeiro
A partir de 1971 o Ouro deixou de ser o padrão do sistema monetário internacional, estabelecido em Bretton Woods em 1944. Os bancos centrais europeus têm contribuído para a supressão do preço do ouro através de grandes empréstimos e vendas, justificando que é um activo com baixa rentabilidade financeira. Apesar da procura anual exceder a oferta, com estas intervenções o preço do metal no mercado foi suprimido ao longo de vários anos. Mas, com as reservas dos bancos centrais a ficarem progressivamente debilitadas, o seu poder sobre o preço do ouro é cada vez menor.
O esquema do Ouro
Os bancos centrais têm barras de ouro fechadas em cofres. Têm vários custos de seguros, de armazenagem e não ganham nenhum juro. Com outros instrumentos financeiros como obrigações e depósitos, recebem um juro. Por isso em meados dos anos 1990 decidiram começar a emprestar o seu ouro.
O esquema para gerar lucros, com o termo técnico “carry-trade” funcionava da seguinte forma: aproveitando o diferencial entre as taxas de empréstimo do ouro, muito baixas, normalmente por volta de 1% e as taxas de juro do mercado bastante mais elevadas, os traders pediam ouro emprestado aos bancos centrais, vendiam-no e aplicavam os resultados em instrumentos financeiros, ganhando o diferencial. O ouro era também trocado por disponibilidades em dólares, passando a ser representado por swaps. Outra maneira de capturar este prémio, era abrir posições curtas no mercado de futuros de ouro. Os bancos centrais rentabilizavam as suas reservas e em troca ajudavam a manter o preço do ouro baixo realizando vendas directas no mercado.
De um total de 32000 toneladas das reservas oficiais de ouro dos bancos centrais, a versão oficial é de que o ouro emprestado se situa entre as 4000 e 5000 toneladas, o montante real provavelmente é muito superior a este valor.
No relatório anual de 2003, o Banco de Portugal, revela que das suas reservas de 517,1 toneladas de ouro no final do ano, dois terços foram emprestadas ou estão em swaps. Apenas 172,6 toneladas permanecem nos cofres. Se as estatísticas oficiais estivessem correctas, Portugal representaria aproximadamente 10% do mercado de empréstimos, apesar de apenas possuir menos de 2% das reservas oficiais globais. Este montante é demasiado desproporcionado para ser credível.
Utilizando várias metodologias, as estimativas de reputados analistas do Gold Anti-Trust Action Committee (GATA) apontam para que quase metade do ouro tenha já saído dos cofres dos bancos centrais neste processo de empréstimos, ou seja, entre 13.000 e 15.000 toneladas. Para se ter uma ideia do impacto destes montantes no mercado, o ouro transaccionado anualmente é de cerca de 4000 toneladas.
Reino Unido deixou de ganhar 700 milhões de Libras com ouro
De acordo com estatisticas oficiais, citadas pelo jornal Times, o Banco de Inglaterra deixou os contribuintes britânicos 700 milhões de libras mais pobres, por ter vendido metade das reservas de ouro mesmo antes do preço do metal começar a subir.
Entre 1999 e 2001 o Banco de Inglaterra vendeu 395 toneladas de ouro, num momento em que se encontrava nos mínimos dos últimos 20 anos. O preço médio foi de $275 por onça, obtendo £2,3 mil milhões. Se tivesse esperado, com o ouro a cerca $430 por onça, teria conseguido mais £700 milhões.
Nasce oficialmente o Cartel do Ouro
Em meados de 1999, o anúncio das vendas planeadas de ouro do Banco de Inglaterra, foi o sinal que indicou definitivamente a vários operadores veteranos do mercado do ouro que o preço do metal estava a ser gerido oficialmente. Na altura o preço do ouro estava em queda e este anúncio foi o catalizador do trambolhão dos $290 para os $260 por onça, os seus preços mais baixos dos últimos vinte anos.
Após rondar os $260 por onça, o ouro despertou de forma dramática no final de Setembro de 1999 com o chamado Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro, conhecido pelos entendidos por WAG, de “Washington Agreement on Gold”. Um grupo de 15 bancos centrais europeus entre os quais o Banco de Portugal, comprometeram-se a limitar as suas vendas anuais de ouro em 400 toneladas por ano até 2004 e restringir os empréstimos sobre o metal. O preço disparou, subindo quase $80 por onça em duas semanas. Com o preço a subir, o esquema de “carry-trade” sobre o metal deixou de ser rentável.
O objectivo suposto do WAG era trazer transparência às transacções com ouro dos bancos centrais europeus. Esperavam dar estabilidade ao mercado que estava constantemente a ser ameaçado pelo medo de vendas de ouro dos bancos centrais. Entre 1999 e 2004 foram vendidas as 2000 toneladas de ouro definidas nos termos do acordo. Dos quinze bancos subscritores, apenas seis, entre os quais o Banco de Portugal, efectuaram vendas.

A oferta adicional do metal a entrar no mercado proveniente do WAG nos últimos anos não foi suficiente para conter o preço do ouro. Face às pressões da procura, recomeçou a sua subida no início desta década, após uma letargia de vinte anos. Os bancos centrais que participaram neste acordo acabaram por vender o ouro por valores baixos, no início de uma nova tendência altista, muitas vezes em troca de dólares sobrevalorizados e reduzidas taxas de juro.

Perspectivas de subida
Em 27 de Setembro de 2004, começou o segundo Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro, que estabelece que as vendas anuais dos cinco anos seguintes não excederão as 500 toneladas e as vendas totais do período não serão superiores a 2.500 toneladas. O mercado tem estado habituado a vendas anuais médias de 400 toneladas nos últimos cinco anos.
É interessante notar que a primeira cláusula deste segundo acordo é “O Ouro vai continuar a ser um importante elemento das reservas monetárias globais.”. Esta atitude deverá prevalecer, particularmente tendo em conta a má performance do dólar americano como principal alternativa.
A grande questão não é se os signatários do novo Acordo vão vender 500 toneladas por ano, mas se se conseguirão encontrar bancos centrais interessados para perfazer essas quantidades, segundo os anúncios de intenções os totais vão ficar muito aquém. A UBS acredita que o novo acordo, apesar de estabelecer um patamar mais elevado, terá como resultado real vendas entre 2004 e 2009 inferiores às do primeiro Acordo, estimando que se podem situar próximos anos em 250 toneladas vendidas por ano. Mesmo este montante é duvidoso que se chegue a atingir.

Em 2005 Bill Murphy, líder do Gold Antitrust Action Committee (GATA) e outros analistas projectam o teste da resistência do preço do ouro entre os $480 e os $500 por onça.
Com a diminuição na oferta e o aumento da procura que se tem vindo a verificar, especialmente para investimento, o preço do ouro apresenta perspectivas da continuação da subidas até ao final da década, ultrapassando os valores atingidos no início de 1980.